terça-feira, 30 de setembro de 2014


a memória dos dias felizes Vetor



Penso na morte
mas sei que continuarei vivo no epicentro das flores
no abdómen ensanguentado doutros-corpos-meus
na concha húmida de tua boca em cima dos números mágicos
anunciando o ciclo das águas e o estado do tempo

a memória dos dias resiste no olhar de um retrato
continuo só
e sinto o peso do sorriso que não me cabe no rosto
improviso um voo de alma sem rumo mas nada me consola

é imprevista a meteorologia  das paixões
pássaros minerais afastam-se suspensos
vislumbro um corpo de chuva cintilando na areia

até que tudo se perde na sombra da noite... além
junto à salgada pele de longínquos ventos


Al Berto, Doze Moradas de Silêncio,
in,  O Medo, 

terça-feira, 23 de setembro de 2014

O assalto


Mia Couto


"No meu tempo de menino tínhamos pena dos pobres. Eles cabiam naquele lugarzinho menor, carentes de tudo, mas sem perder humanidade. Os meus filhos, hoje, têm medo dos pobres. A pobreza converteu-se num lugar monstruoso. Queremos que os pobres fiquem longe, fronteirados no seu território."

Uns desses dias fui assaltado. Foi num virar de esquina, num desses becos onde o escuro se aferrolha com chave preta. Nem decifrei o vulto: só vi, em rebrilho fugaz, a arma em sua mão. Já eu pensava fora do pensamento: eis-me! A pistola foi-me justaposta no peito, a mostrar-me que a morte é um cão que obedece antes mesmo de se lhe ter assobiado.

Tudo se embrulhava em apuros e eu fazia contas à vida. O medo é uma faca que corta com o cabo e não com a lâmina. A gente empunha a faca e, quanto maior a força de pulso, mais nos cortamos.

Para trás!Obedeci à ordem, tropeçando até me estancar de encontro à parede. O gelo endovenoso, o coração em cristal: eu estava na ante-câmara, à espera de um simples estalido. Cumpria os mandamentos do assaltante, tudo mecanicamente. E mais parvalhado que o cuco do relógio. O que fazer? Contra-atacar? Arriscar tudo e, assim sem mais nem nada, atirar a vida para trás das costas?
— Diga qualquer coisa.
— Qualquer coisa?
— Me conte quem é. Você quem é?
Medi as palavras. Quanto mais falasse e menos dissesse melhor seria. O maltrapilho estava ali para tirar os nabos e a púcara. Melhor receita seria o cauteloso silêncio. Temos medo do que não entendemos. Isso todos sabemos. Mas, no caso, o meu medo era pior: eu temia por entender. O serviço do terror é esse — tornar irracional aquilo que não podemos subjugar.
— Vá falando.
— Falando?
Sim, conte lá coisas. Depois, sou eu. A seguir é a minha vez.
Depois era a vez dele? Mas para fazer o quê? Certamente, para me executar a sangue esfriado, pistolando-me à queima-roupa. Naquele momento, vindo de não sei onde, circulou por ali um furtivo raio de luz, coisa pouca, mais para antever que para ver. O fulano baixou o rosto, e voltou a pistola em ameaça.

— Você brinca e eu …
Não concluiu ameça. Uma tosse de gruta lhe tomou a voz. Baixou, numa fracção, a arma enquanto se desenvencilhava do catarro. Por momento, ele surgiu-me indefeso, tão frágil que seria deselegância minha me aproveitar do momento. Notei que tirava um lenço e se compunha, quase ignorando minha presença.

Vá, vamos mais para lá.

Eu recuei mais uns passos. O medo dera lugar à inquietação. Quem seria aquele meliante? Um desses que se tornam ladrões por motivo de fraqueza maior? Ou um que a vida empurrara para os descaminhos? Diga-se de passagem que, no momento, pouco me importavam as possíveis bondades do criminoso. Afinal, é do podre que a terra se alimenta. E em crise existencial, até o lobisomem duvida: será que existe o cão fora da meia-noite?
Fomos andando para os arredores de uma iluminação. Foi quando me apercebi que era um velho. Um mestiço, até sem má aparência. Mas era um da quarta idade, cabelo todo branco. Não parecia um pobre. Ou se fosse era desses pobres já fora de moda, desses de quando o mundo tinha a nossa idade. No meu tempo de menino tínhamos pena dos pobres. Eles cabiam naquele lugarzinho menor, carentes de tudo, mas sem perder humanidade. Os meus filhos, hoje, têm medo dos pobres. A pobreza converteu-se num lugar monstruoso. Queremos que os pobres fiquem longe, fronteirados no seu território. Mas este não era um miserável emergido desses infernos. Foi quando, cansado, perguntei:

O que quer de mim?Eu quero conversar.Conversar?Sim, apenas isso, conversar. É que, agora, com esta minha idade, já ninguém me conversa.
Então, isso? Simplesmente, um palavreado? Sim, era só esse o móbil do crime. O homem recorria ao assalto de arma de fogo para roubar instantes, uma frestinha de atenção. Se ninguém lhe dava a cortesia de um reparo ele obteria esse direito nem que fosse a tiro de pistola. Não podia era perder sua última humanidade — o direito de encontrar os outros, olhos em olhos, alma revelando-se em outro rosto.

E me sentei, sem hora nem gasto. Ali no beco escuro lhe contei vida, em cores e mentiras. No fim, já quase ele adormecera em minhas histórias eu me despedi em requerimento: que, em próximo encontro, se dispensaria a pistola. De bom agrado, nos sentaríamos ambos num bom banco de jardim. Ao que o velho, pronto, ripostou:

— Não faça isso. Me deixe assaltar o senhor. Assim, me dá mais gosto.

E se converteu, assim: desde então, sou vítima de assalto, já sem sombra de medo. É assalto sem sobressalto. Me conformei, e é como quem leva a passear o cão que já faleceu. Afinal, no crime como no amor: a gente só sabe que encontra a pessoa certa depois de encontrarmos as que são certas para outros.
 
Mia Couto
Ficções 3






Eu nunca me importei que o meu nome fosse Cromo porque com a minha frieza sempre lhe dei a volta, mas desde que o Darren Darrenofski, com a sua cara horrível de crocodilo, chegou à escola a minha vida complicou-se. Eu Não Sou um Cromo é o primeiro de três livros escritos por Jim Smith. Siga os passos deste cromo e veja como ele tenta desenvencilhar-se do pessimismo, vingar-se dos mais terríveis inimigos e tornar-se finalmente um vencedor.


quinta-feira, 22 de maio de 2014

UMA SIMPLES FLOR NOS TEUS CABELOS CLAROS


«Mas a meio caminho voltou para trás, direita ao mar. Paulo ficou de pé no areal, a vê-la correr: primeiro chapinhando na escuma rasa e depois contra as ondas, às arrancadas, saltando e sacu­dindo os braços, como se o corpo, toda ela, risse.
Uma vaga mais forte desfez-se ao correr da praia, cobriu na areia os sinais das aves marinhas, arrastou alforrecas abandonadas pela maré. Eram muitas, tantas como Paulo não vira até então, espapaçadas e sem vida ao longo do areal. O vento áspero curtira-lhes os corpos, passara sobre elas, carregado de areia e de salitre, varrendo a costa contra as dunas, sem deixar por ali vestígios de pegada ou restos de alga seca que lhe resistissem.»
«Marcaste o despertador»
«Hã?»
«O despertador, Quim. Para que horas o puseste?»
«...E tudo à volta era névoa, fumo do mar rolando ao lume das águas e depois invadindo mansamente a costa deserta. Havia esse sudário fresco, quase matinal, embora, cravado no céu verde-ácido, despontasse já o brilho frio da primeira estrela do anoitecer...»
«Desculpa, mas não estou descansada. Importas-te de me passar o despertador?»
«O despertador?»
«Sim, o despertador. Com certeza que não queres que eu me levante para o ir buscar. És de força, caramba.»
«Pronto. Estás satisfeita?»
«Obrigada. Agora lê à vontade, que não te torno a incomodar. Eu não dizia? Afinal não lhe tinhas dado corda... Que horas são no teu relógio? Deixa, não faz mal. Eu regulo-o pelo meu.»
«- Mais um mergulho - pedia a rapariga.
A dois passos dele sorria-lhe e puxava-o pelo braço;
- Só mais um, Paulo. Não imaginas como a água está estupenda. Palavra, amor. Estupenda, estupenda, estupenda.
Uma alegria tranquila iluminava-lhe o corpo. A neblina bailava em torno dela, mas era como se a não tocasse. Bem ao contrário: era como se, com a sua frescura velada, apenas despertasse a morna suavidade que se libertava da pele da rapariga.
- Não, agora já começa a arrefecer - disse Paulo. - Vamo-nos vestir?
Estavam de mãos dadas, vizinhos do mar e, na verdade, quase sem o verem. Havia a memória das águas na pele cintilante da jovem ou no eco discreto das ondas através da névoa; ou ainda no rastro de uma vaga mais forte que se prolongava, terra adentro, e vinha morrer aos pés deles num distante fio de espuma. E isso era o mar, todo o oceano. Mar só presença. Traço de água a brilhar por instantes num rasgão do nevoeiro.
Paulo apertou mansamente a mão da companheira;
- Embora?
- Embora - respondeu ela.
E os dois, numa arrancada, correram pelo areal, saltando poças de água, alforrecas mortas e tudo o mais, até tombarem de cansaço.»
«Quim... »
«Outra vez?»
«Desculpa, era só para baixares o candeeiro. Que maçada, estou a ver que tenho de tomar outro comprimido.»
«Lê um bocado, experimenta.»
«Não vale de nada, filho. Tenho a impressão de que estes comprimidos já não fazem efeito. Talvez mudando de droga... É isso, preciso de mudar de droga
«- Tão bom, Paulo. Não está tão bom?
- Está óptimo. Está um tempo espantoso.
Maria continuava sentada na areia. Com os braços envolvendo as pernas e apertando as faces contra os joelhos, fitava o nada, a brancura que havia entre ela e o mar, e os olhos iam-se-lhe carregando de brilho.
- Tão bom - repetia.
 - Sim, mas temos que ir.
Com o cair da tarde a névoa desmanchava-se pouco a pouco. Ficava unicamente a cobrir o mar, a separá-lo de terra como uma muralha apagada, e, de surpresa, as dunas e o pinhal da costa surgiam numa claridade humilde e entristecida. Já de pé, Paulo avistava ao longe a janela iluminada do restaurante.
- O homem deve estar à nossa espera - disse ele. - Ainda não tens apetite?
- E tu, tens?
- Uma fome de tubarão.
- Então também eu tenho, Paulo.
- Ora essa?
- Tenho, pois. Hoje sinto tudo o que tu sentes. Palavra.
«Se isto tem algum jeito. Qualquer dia já não há comprimidos que me cheguem, meu Deus.»
«Faço ideia, com essa mania de emagrecer... »
«Não, filho. O emagrecer não é para aqui chamado. Se não consigo dormir, é por outras razões. Olha, talvez seja por andar para aqui sozinha a moer arrelias, sem ter com quem desabafar. Isso, agora viras-me as costas. Nem calculas a inveja que me fazes.»
«Pois.»
«Mas sim, fazes-me uma inveja danada. Contigo não há complicações que te toquem. Voltas as costas e ficas positivamente nas calmas. Invejo-te, Quim. Não calculas como eu te invejo. Não acreditas?»
«Acredito, que remédio tenho eu?»
«Que remédio tenho eu... É espantoso. No fim de contas ainda ficas por mártir. E eu? Qual é o meu remédio, já pensaste? Envelhecer estupidamente. Aí tens o meu remédio.»
«Partiram às gargalhadas. À medida que se afastavam do mar, a areia, sempre mais seca e solta, retardava-lhes o passo e, é curioso, sentiam as noite abater-se sobre eles. Sentiam-na vir, muito rápida, e entretanto distinguiam cada vez melhor, as piteiras encravadas nas dunas, a princípio pequenas como galhos secos e logo depois maiores do que lhes tinham parecido à chegada. E ainda as manchas esfarrapadas dos chorões rastejando pelas ribas arenosas, o restaurante ermo, as traves; de madeira roídas pela maresia e, cá fora, as cadeiras de verga, que o vento tombara, soterradas  na areia.
- O mar nunca aqui chega - tinha dito o dono da casa. - Quando é das águas vivas, berra lá fora como um danado. Mas aqui, não senhor. Aqui não tem ele licença de chegar.»
«A verdade é que são quase duas horas e amanhã não sei como vai ser para me levantar. Escuta...»
«Que é?»         
«Não estás a ouvir passos?»
«Passos?»
«Sim. Parecia mesmo gente lá dentro, na sala. Se soubesses os sustos que apanho quando estou com insónias. A Nanda lá nisso é que tem razão. Noite em que não adormeça veste-se e vai dar uma volta com o marido, a qualquer lado. Acho um exagero, eu nunca seria capaz de te acordar... mas, enfim, ela lá sabe. O que é certo é que se entendem à maravilha um com o outro. E isso, Quim, apesar de ser a tal tipa, que tu dizes. Também, ainda estou para ter uma amiga que na tua boca não seja uma tipa ou uma galinha

José Cardoso Pires, Jogos de Azar,                     Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1999 (7ª ed.).





 

quinta-feira, 27 de março de 2014


Ética para um jovem
Fernando Salvaterra

Qualquer jovem tem de ter um conjunto de opções e de valores, para que mais tarde possa ser livre, responsável e ativo civicamente. Mas como falar de ética aos adolescentes, de modo a que estes percebam a importância das ideias morais que achamos indispensáveis na sua formação? 
Este é um livro pensado e escrito para ser lido por adolescentes.
Ética para Um Jovem explica, de forma muito clara, profunda e divertida, o que queremos dizer quando falamos de Ética e de como a podemos aplicar à nossa vida quotidiana para tentarmos viver da melhor maneira possível connosco e com os outros. 
Um livro que vai levantar questões sobre a liberdade de escolha, a responsabilidade, o valor da amizade, o amor, o respeito, a posse, o poder. 

 Um livro indispensável tanto para jovens como para pais e professores.


Pack Tudo Sobre NósRosie RushtonMorag Prunty

Já alguma vez sentiste que os teus pais te tratam como crianças? A Laura, a Jemma, o Jon, a Sumitha e a Chelsea já. Muitas!  Eles são um grupo de amigos, adolescentes e muito divertidos, que lutam por se sentirem integrados nos grupos de jovens da sua idade, o que às vezes é bem complicado, sobretudo quando consideram que os pais, em vez de ajudarem, ainda fazem cenas em público!
Não percas, nem mesmo um bocadinho! 

Lidar com os Rapazes não é nada fácil porque eles pensam de forma diferente, sonham de forma diferente, querem coisas diferentes... Enfim, são diferentes e difíceis de compreender. Então, quando se apaixonam... percebemos que são um poço de insegurança. Eles são um enigma e é isso que os torna encantadores... 
Mais um volume da colecção «Clube das Amigas», que te ensina a desvendar os rapazes, esses seres tão difíceis... De leitura aconselhada apenas a raparigas apaixonadas ou em vias de o ficar…