sábado, 25 de abril de 2020

Liberdade









Liberdade 
Uma palavra grande e que demorou muito tempo a    ser conquistada pelos portugueses. A liberdade devia ser inquestionável. 

Hoje em dia nós temos liberdade para dizermos e fazermos o que quisermos (respeitando os outros e a liberdade deles) mas há 45 anos, ter liberdade era impensável. As pessoas não podiam comentar e dizer o que quer que lhes apetecesse. Tinham de viver na insegurança e no medo. No medo de serem torturadas e presas, de não voltarem a ver a família e isso tudo por não concordarem com a maneira de ver do governo da altura, da ditadura. 

No liceu, os meus avós incorporavam o jornal escolar chamado " A Centelha". A minha avó era a diretora do jornal e o meu avô era redator. Uma vez o meu avô decidiu escrever um artigo sobre o pacifismo, forma de viver dos hippies e a sua opinião contra a guerra. Esse artigo acabou por ser suspenso e os meus avós foram chamados à reitoria. A censura era tão intensificada que até num jornal de liceu agia. 

Citarei agora algumas das suas palavras sobre os acontecimentos desse dia: Em cima da sua secretária, estava o Jornal aberto, com frases sublinhadas a vermelho. Com calma e educadamente o Reitor aponta o Jornal e diz algo como isto: “Está a ver aquele jornal? Assim como está ali sublinhado pode estar sublinhado noutras secretárias… Por isso mandei suspender a sua distribuição e apreender todos os exemplares. Não fiquei com nenhum e ignoro se alguém o tem. Também não sei se A Centelha voltou a ser publicada. - disse o meu avô 

Nesse mesmo ano os meus avós casaram. Uns anos mais tarde, poucos, a minha avó trabalhava numa Caixa de Previdência em Lisboa. A minha avó, falava muito, queixava-se das condições de trabalho, dizia o que pensava, no fundo falava da vida das pessoas e então era sempre avisada pelas colegas para guardar as suas opiniões pois diziam que havia uma informadora da PIDE infiltrada naquela sala (e de certeza em todas as outras salas). 

Uns anos mais tarde o meu avô de 20 anos teve de deixar a sua vida, o seu trabalho a família para ir para a guerra do ultramar (1971). Muitos jovens tentaram fugir à guerra "dando o salto", como se chamava na altura, para outros países europeus o que resultou na morte de alguns. 

Quando perguntei à minha avó porque é que eles não tinham fugido ela respondeu-me: - É preciso coragem para ir? Sim. Mas também é preciso coragem para ficar. Se calhar até mais. A minha avó tem muito jeito para palavras e esta frase foi uma das mais filósofas que a ouvi dizer. 

Três meses mais tarde a minha avó mais o meu tio (o irmão da minha mãe que tinha na altura dois anos) foram para Luanda ter com o meu avô. Quando o tempo de serviço acabou, no chamado Ultramar, eles regressaram a Portugal. O país estava muito mal, com o Salazar e agora com o Marcelo Caetano. 

A PIDE tinha cada vez mais membros a reunir informações e a colocar gente na prisão e a mandar muitos para campos de concentração (por exemplo o Tarrafal em Cabo Verde) por pensarem de maneira diferente (Alguns anos mais tarde os meus avós decidiram visitar este campo e foi chocante). 

O meu avô nessa altura trabalhava no controle de aviões. Ele e mais alguns colegas decidiram organizar uma greve. Então, enquanto estavam a tentar fazer uma chamada para outro posto de controle de aviões, a PIDE intercetou a chamada e ameaçou-os com o despedimento. 

No dia 25 de abril de 1974 ao som de Zeca Afonso chega a liberdade a Portugal. Milhões de pessoas em todo o país saem à rua para festejar este dia. Também aqui em Faro, os meus avós e muitos muitos outros gritaram pelas ruas: Viva Portugal livre! Viva a Liberdade!

____________________________________________________ Lia Férin Silva 9ºD